Atualizado em: 5 de July de 2023
Aí naquela roda dos entendidos de vinho, você ouve sobre a tal “maceração carbônica”. Minutos depois de terem girado suas taças e enfiado o nariz no copo, dizem que o vinho tem aroma de banana e de chiclete de “tutti-frutti”.
Na sua cabeça, o seguinte pensamento: oi?! Como assim o vinho cheira a banana e chiclete? Será que essa maceração carbônica estragou o vinho?
Nada disso! Saiba que a maceração carbônica é uma técnica usada na produção de vinho que libera esses e outros aromas durante a vinificação.
Essa técnica permite que o perfil e o estilo do vinho sejam totalmente modificados. Há vinhos que possuem intensos aromas de chiclete “tutti-frutti” com toques de canela e baunilha, resultado da maceração carbônica.
Como ocorre esse processo?
A maceração carbônica é uma técnica usada no processo de vinificação. As uvas, ainda com cachos inteiros, iniciam a primeira fase da fermentação alcoólica em um ambiente fechado e inertizado com dióxido de carbono. Popularmente conhecido como gás carbônico.
Isso ocorre porque o recipiente da fermentação, encontra-se sem oxigênio. Assim, o gás carbônico que foi inserido é absorvido pelo bago, aumentando cerca de 50% do seu volume. Fazendo com que a uva mude o seu metabolismo de respiratório para anaeróbico fermentativo.
A primeira fase da fermentação
Em seguida temos início ao que chamamos fermentação intracelular, ou seja, a fermentação começa na parte interna do bago da uva. Mas apenas nos bagos que permanecem intactos. Essa atividade é promovida por enzimas sem a ajuda de leveduras ou qualquer outra atividade microbiana.
O processo converte uma pequena quantidade de ácido málico e açúcares das uvas em álcool. Isso ocorre até que o suco da parte interna atinja por volta de 2% de volume alcoólico. Com isso, o gás carbônico, que também é produzido através da fermentação, ajuda a promover o rompimento da película dos bagos.
O fim da maceração carbônica acontece após o rompimento dos bagos, que pode durar de 5 a 15 dias. Em temperaturas entre 30 e 32 °C duram de 5 a 8 dias, e promovem aromas mais intensos. Já em temperaturas mais baixas pode durar até 15 dias, produzindo aromas mais sutis.
A segunda fase da fermentação
Assim que a polpa do bago rompido se mistura ao meio, inicia-se a segunda fase da fermentação. Agora o enólogo escolherá como conduzir o processo mediante o estilo do vinho que almeja.
O mais comum seria prensar as uvas e transferir a parte líquida do mosto para outro recipiente. Em seguida, inocular as leveduras ou deixar que a fermentação aconteça de forma espontânea, com as leveduras nativas, já existentes no mosto.
Por fim, quando as leveduras terminarem o trabalho de conversão dos açúcares do mosto em álcool, está finalizada a fermentação. Entretanto, o vinho ainda percorrerá mais alguns processos para ser finalmente engarrafado.
O resultado da maceração carbônica pode mudar conforme a variedade da uva. Geralmente são vinhos com baixa intensidade de cor, altamente frutados, de corpo leve e com menor teor de taninos e de acidez.
O surgimento da técnica
Pode-se dizer que em 1872, Louis Pasteur descobriu que as uvas em contato com o oxigênio apresentavam um sabor diferente daquelas que estiveram em contato com o gás carbônico.
Em 1934, o cientista francês Michel Flanzy, experimentou preservar as uvas com dióxido de carbono. Eis que surge a primeira vinificação experimental utilizando a maceração carbônica. O cientista identificou que os vinhos produzidos com estas uvas apresentaram qualidades organolépticas distintas. Ou seja, aromas e sabores diferenciados.
Os aromas provenientes da maceração carbônica
Nesse ponto tenho certeza de que você já percebeu que a maceração carbônica é responsável pelo surgimento de aromas no vinho. Entretanto, acredito que deve estar se perguntando: “Como esses aromas aparecem no vinho?”
Esses aromas são os ésteres. São compostos aromáticos que se formam através de uma reação química entre ácidos da uva e álcoois. Nesse caso, temos aromas como o de morango, framboesa e cereja. Por vezes, a percepção aromática de todas essas frutas ao mesmo tempo, pode nos remeter ao aroma de “tutti-frutti”.
Contudo, a formação dos ésteres também pode ser composta por ácidos provenientes do processo de fermentação. Como exemplo, o acetato de isoamila e o cinamato de etilo, que associamos aos aromas de banana e de especiarias doces como o de canela.
Os vinhos de maceração carbônica
A referência mais famosa de vinhos que utilizam a maceração carbônica é o Beaujolais Nouveau. Um vinho produzido com a uva Gamay, leve, muito frutado, e para se beber ainda jovem.
No entanto, tal fama fez com que os demais vinhos produzidos na região fossem praticamente esquecidos. Com isso, os produtores iniciaram um movimento para mostrar aos consumidores que a região também produz vinhos com outras características e de grande qualidade.
Seguindo a tendência
Na contramão de Beaujolais, mas seguindo a tendência de consumo mundial por vinhos mais leves. Outras regiões produtoras de diversos países andam a se aventurar com vinhos de maceração carbônica.
Na Argentina, um movimento chamado Malbec Nouveau produz seus vinhos inspirados na região francesa. As uvas mais usadas são, a emblemática Malbec e a Bonarda.
Já no Brasil, da região do Vale dos Vinhedos, a vinícola Vinhedos Capoani produz o Capoani Gamay Nouveau. E proveniente da região da Campanha Meridional, a vinícola Miolo produz o Miolo Wild Gamay Nouveau.
Para fechar a conta do dia, aqui em Portugal também se produz com maceração carbônica.
Elaborado pelos enólogos João Meireles e Daniel Miranda, o Rebuscado Maceração Carbônica é um vinho do Douro, produzido com as castas, Touriga Nacional (70%) e Touriga Franca (30%). Produção super limitada, apenas 700 garrafas.
De Torres Vedras, a Quinta da Ermegeira produz o vinho Carbô, 100% com a casta Castelão. Também com uma produção muito restrita de 1.800 garrafas.
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