Mais do que “cheiros estranhos”, os defeitos sensoriais no vinho revelam falhas químicas, microbiológicas ou humanas. Saber identificá-los é essencial.
Nem todo aroma intenso é sinal de complexidade. Alguns odores e sabores indesejáveis no vinho — por vezes sutis, por vezes evidentes — indicam defeitos do vinho que podem comprometer a experiência. Aprender a reconhecê-los é parte do caminho para beber melhor e com mais consciência.
O que são os defeitos do vinho?
Defeitos do vinho são alterações sensoriais causadas por falhas no processo de vinificação, armazenamento ou serviço. Diferem de características varietais ou estilísticas — não são uma questão de gosto pessoal, mas de qualidade.
Eles podem ter origem microbiológica, química, oxidativa ou física, e sua presença indica, quase sempre, alguma falha de controle ao longo da cadeia produtiva do vinho. Em muitos casos, esses defeitos não apenas reduzem o prazer da taça, como também comprometem a percepção de valor do vinho por parte do consumidor.
Compreender os defeitos do vinho também ajuda a diferenciar falhas reais de preferências estilísticas. O que à primeira vista pode parecer um defeito, pode ser parte de uma proposta intencional. Mas isso só se descobre com conhecimento e contexto.
Principais defeitos do vinho e como identificá-los
A seguir, apresentamos os defeitos mais comuns, seus descritores sensoriais, causas prováveis e possibilidades de prevenção:
Rolha (TCA)
- Descritor: Cheiro de papelão molhado, jornal velho ou mofo.
- Causa: Contaminação por tricloroanisol (TCA), geralmente proveniente da rolha natural.
- Prevenção: Controle de qualidade das rolhas, barricas e utensílios da adega. Não tem correção: a garrafa está comprometida.
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Oxidação
- Descritor: Cor atijolada em tintos, dourada opaca em brancos; aromas de fruta cozida, noz, maçã assada.
- Causa: Excesso de oxigênio em contato com o vinho.
- Prevenção: Controle de sulfuroso, fechamento adequado e condições de armazenamento.
Redução / Enxofre
- Descritor: Ovo podre, borracha queimada, esgoto.
- Causa: Ambientes anéroxicos que favorecem compostos sulfurosos, como H2S.
- Prevenção: Arejamento, uso equilibrado de SO2, controle de turbidez na fermentação.
Acidez volátil (AV)
- Descritor: Aroma de vinagre, solvente (acetona), cola.
- Causa: Atividade de bactérias acéticas.
- Prevenção: Higiene rigorosa, controle de temperatura e proteção contra oxigênio.
Brettanomyces (Brett)
- Descritor: Couro, suor de cavalo, curral, bacon.
- Causa: Contaminação por levedura Brettanomyces.
- Prevenção: Higiene em barricas, controle de pH e SO2. Pequenas quantidades são toleradas em alguns estilos.
Contaminação por luz (lightstrike)
- Descritor: Repolho cozido, plástico queimado, borracha.
- Causa: Exposição à luz, especialmente UV, em garrafas transparentes.
- Prevenção: Evitar luz direta, usar vidro escuro ou armazenamento protegido.
Gás excessivo (não intencional)
- Descritor: Efervescência inesperada em vinhos tranquilos.
- Causa: Refermentação na garrafa.
- Prevenção: Fermentações completas, filtração estéril, controle de estabilidade.
Defeitos ou estilo? Quando a linha é tênue
Nem todo aroma incomum é necessariamente um defeito. Vinhos elaborados com métodos naturais, estágios oxidativos (como jerez), ou que passam por fermentação malolática não controlada, podem apresentar notas que desafiam o paladar habitual, mas fazem parte de sua identidade.
A distinção entre estilo e defeito exige experiência, contexto e abertura. Um toque de “Brett” pode agregar complexidade a certos tintos, enquanto a mesma nota será intolerável em brancos aromáticos. Tudo depende da intenção do produtor e do perfil desejado.
Da mesma forma, a oxidação controlada é parte essencial de vinhos como Madeira, Vin Jaune ou Tawny Ports. Já a oxidação indesejada, que ocorre por descuido, retira frescor e compromete a estrutura. Saber diferenciar esses contextos é parte do crescimento como apreciador.
O papel do consumidor atento
Conhecer os defeitos do vinho é uma forma de aperfeiçoar o prazer da taça. Saber reconhecer um TCA, identificar uma oxidação precoce ou perceber uma refermentação indesejada permite escolhas mais conscientes e feedback mais preciso ao produtor ou sommelier.
Mais do que apontar erros, esse conhecimento fortalece o vínculo com o vinho de qualidade, com os profissionais que o produzem e com a própria cultura do vinho.
Além disso, é uma competência essencial para quem deseja expandir seus horizontes no mundo do vinho. Com o tempo, o consumidor atento desenvolve sensibilidade para identificar nuances, interpretar intenções e entender por que um vinho causa determinado impacto sensorial.
Quando o conhecimento eleva a experiência
Os defeitos do vinho não são apenas desvios sensoriais. São sinais. Entendê-los é abrir os sentidos para o que não deveria estar ali — e, por contraste, valorizar ainda mais os vinhos bem elaborados, coerentes e intencionais.
Degustar com conhecimento é um caminho sem volta. E é também o caminho mais claro para reconhecer o que realmente torna um vinho memorável.
Referência
Nunes, F. M., Cosme, F., & Filipe-Ribeiro, L. (2022). Wine sensory faults. In MDPI eBooks. https://doi.org/10.3390/books978-3-0365-4997-2
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