O potencial de Sequestro de Carbono na Vitivultura

Como os vinhedos podem capturar carbono da atmosfera, regenerar o solo e se tornar aliados no combate às mudanças climáticas

A viticultura não precisa ser apenas menos poluente. Ela pode ser protagonista em soluções climáticas.

Além de mitigar emissões, vinhedos bem manejados têm o potencial de sequestrar e armazenar carbono no solo e na biomassa vegetal.

Quando bem conduzidas, esses sistemas agrícolas funcionam como verdadeiros “sumidouros de carbono”.

De onde vem o sequestro de carbono na viticultura?

O sequestro de carbono na viticultura ocorre principalmente por dois caminhos:

  • No solo, via acúmulo de matéria orgânica, atividade microbiana e menor perturbação do perfil;

  • Na biomassa das videiras, especialmente nas raízes, troncos e ramos perenes.

Os vinhedos podem armazenar mais de 60 Mg (megagramas) de carbono por hectare, dependendo do sistema de manejo, tipo de solo e idade das plantas. Pesquisas realizadas na Califórnia e na China mostram que vinhas com mais de 15 anos aumentam significativamente sua capacidade de estoque de carbono.

É importante distinguir entre o estoque total de carbono acumulado ao longo dos anos e a taxa anual de sequestro. Enquanto o primeiro reflete a soma histórica da captura, o segundo indica o ritmo atual em que o carbono é retido no sistema.

Estima-se que o potencial de sequestro de carbono na viticultura varia entre 0,5 e 12 Mg CO₂-eq/ha/ano, dependendo do tipo de manejo, idade da vinha e práticas complementares adotadas. Vinhedos regenerativos com cobertura vegetal permanente, compostagem e manejo sem revolvimento podem atingir os maiores valores.

Além disso, videiras cultivadas em áreas com boa diversidade de plantas de cobertura tendem a apresentar maior massa vegetal. Isso também está associado a um aumento no conteúdo de carbono nas raízes, reforçando o papel da biodiversidade como catalisadora do sequestro.

O solo como protagonista no sequestro de carbono na viticultura

Antes de aprofundarmos a função do solo no sequestro de carbono, é útil compreender como diferentes estilos de manejo influenciam especificamente a capacidade de captura de carbono nos vinhedos.

A comparação a seguir apresenta a variação média da taxa anual de sequestro de carbono conforme o tipo de manejo agrícola adotado, permitindo visualizar o potencial de cada abordagem produtiva para contribuir com a neutralidade climática no setor.

O gráfico a seguir apresenta a variação estimada da taxa anual de sequestro de carbono na viticultura por tipo de manejo, com base em dados consolidados de estudos pesquisados:

Potencial de Sequestro de Carbono por tipo de Manejo

Fonte: Análise de estudos sobre a Pegada de carbono na viticultura (2016–2024)

O carbono nas camadas superficiais do solo

Estudos indicam que uma parcela significativa do carbono sequestrado em sistemas vitícolas — cerca de 90% — está concentrada nas camadas mais superficiais do solo. Esse dado reforça a importância das práticas de manejo que preservam essa estrutura.

Entre as práticas mais relevantes para o sequestro de carbono está o no-till, uma técnica que evita o revolvimento do solo, mantendo sua estrutura intacta e coberta por vegetação.

Em vinhedos, isso significa evitar arações entre as fileiras e preservar coberturas vegetais vivas ou mortas. Essa abordagem favorece o acúmulo de carbono, reduz a erosão e melhora a estabilidade do ecossistema subterrâneo.

A imagem a seguir ilustra o ciclo de armazenamento de carbono no solo e os fatores que favorecem sua retenção em ambientes vitícolas:

Ciclo de Armazenamento de Carbono no Solo

Outras estratégias, como coberturas vegetais, adubação orgânica e redução de agroquímicos promovem um ambiente subterrâneo mais estável, capaz de reter carbono por mais tempo. O uso de microrganismos benéficos também pode melhorar a estrutura do solo e facilitar o acúmulo de carbono estável.

O papel da viticultura regenerativa

Diversas práticas vitícolas têm se destacado por sua eficácia na captura de carbono atmosférico e enriquecimento do solo. A seguir, estão reunidas as principais estratégias regenerativas classificadas de acordo com seu impacto técnico no sequestro de carbono:

  • Cobertura vegetal permanente viva (peso 3): elevada taxa de acúmulo de carbono no solo;

  • Compostagem >5 Mg/ha/ano (peso 2): incremento do carbono estável no solo;

  • Pastoreio rotativo (peso 2): favorece a ciclagem de nutrientes e estrutura do solo;

  • Não revolvimento do solo (peso 2): protege a matéria orgânica e estimula agregação;

  • Vegetação nativa/mata ciliar (peso 1): apoio à biodiversidade e estabilidade do sistema;

  • Idade da vinha <15 anos (peso 1): maior taxa de acúmulo de biomassa radicular.

Essas práticas, especialmente quando integradas entre si, compõem o núcleo da abordagem regenerativa aplicada à viticultura. A agricultura regenerativa é apontada como uma das estratégias mais eficazes para o sequestro de carbono na viticultura.

Práticas eficazes

Estudos com foco em sistemas perenes identificam as seguintes práticas como altamente eficazes em aumentar a quantidade de carbono orgânico no solo:

  • Agrofloresta: A integração de árvores e vinhedos promove a biodiversidade e melhora a saúde do solo, contribuindo para o sequestro de carbono.

  • Cobertura vegetal: O uso de plantas leguminosas e não-leguminosas como cobertura do solo ajuda a proteger a terra, reduzindo a erosão e aumentando a matéria orgânica.

  • Integração com animais: A presença de animais nos vinhedos pode ajudar na ciclagem de nutrientes e no controle de pragas, além de contribuir para a fertilidade do solo.

  • Adubação não-química: O uso de adubos orgânicos e práticas de compostagem enriquece o solo sem os efeitos negativos dos fertilizantes químicos.

  • Controle biológico de pragas: A utilização de predadores naturais e outras técnicas de controle biológico reduz a dependência de pesticidas químicos, promovendo um ecossistema mais equilibrado.

Essas abordagens vêm ganhando espaço em projetos de transição ecológica, graças à sua capacidade de conciliar produtividade, equilíbrio ecológico e mitigação climática.

Na prática, a aplicação dessas estratégias já vem gerando resultados positivos em diferentes contextos vitícolas. Casos práticos em Portugal, Espanha e Austrália demonstram que a combinação de práticas regenerativas pode levar não só ao sequestro de carbono, mas também ao aumento da produtividade, da resiliência frente a eventos extremos e da saúde geral do agroecossistema.

Perspectivas para o futuro

Reconhecer os vinhedos como sumidouros naturais abre espaço para incentivos climáticos, certificações ambientais e novas formas de valorização do terroir. Em um mundo em busca de neutralidade carbônica, a viticultura tem potencial para oferecer um produto com rastreabilidade ambiental e impacto positivo.

Além disso, projetos de crédito de carbono voltados para pequenos e médios viticultores estão em crescimento, criando novas oportunidades de receita e incentivo à transição ecológica.

Mas o carbono é só o começo. Práticas regenerativas também melhoram a retenção de água, reduzem a erosão, aumentam a biodiversidade e promovem a resiliência do vinhedo frente às mudanças climáticas.


Ainda não leu a primeira parte da série Pegada de Carbono na Viticultura?
Entenda de onde vêm as emissões e por que elas são um desafio urgente para a viticultura: O impacto das emissões de gases de efeito estufa na viticultura


Referências

Adoir, P., Penavayre, S., & Quénol, H. (2020)

Brunori, E., Farina, R., & Biasi, R. (2016)

Cech, T., Leisch, F., & Zaller, J. G. (2022)

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Leia também: Calagem – Cuidados com o solo

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Eduardo Amorim

Fundador
Enólogo | Doutorando, Mestre e Licenciado em Enologia e Viticultura,
especialização em Ciência Sensorial, Mkt Sensorial e Mkt de Vinhos.

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