As mudanças climáticas e as pressões econômicas levaram a produção global de vinho ao nível mais baixo desde 1961. Entenda as causas, os efeitos e os desafios futuros.
Quer saber como foi a produção mundial de vinho em 2024? A Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV) divulgou, em abril de 2025, o seu aguardado relatório anual com os números do setor em 2024.
O documento revela um dado impressionante: a produção mundial de vinho caiu para 225,8 milhões de hectolitros (mhl). O nível mais baixo dos últimos 60 anos, superando inclusive a marca negativa de 2023.
Esse declínio, que representa uma retração de 4,8% em relação ao ano anterior, é explicado por uma combinação de eventos climáticos extremos. Além de, mudanças estruturais no perfil das vinhas, pressões de mercado e uma progressiva transformação na geografia vitícola mundial.
Nunca antes a viticultura enfrentou tantas incertezas simultâneas: do solo ao céu, passando pelas mãos do consumidor.

O papel do clima na produção mundial de vinho
Os principais países produtores enfrentaram condições meteorológicas severas que comprometeram significativamente a colheita. As alterações abruptas de temperatura, chuvas fora de época, granizos e surtos de doenças fúngicas tornaram-se uma realidade frequente.
Na França, por exemplo, a safra de 2024 chegou a apenas 36,1 mhl — uma redução de 23,5% em relação a 2023, e o menor volume desde 1957. Os produtores enfrentaram desde chuvas torrenciais até míldio desenfreado, além de eventos de geada durante o florescimento.
Na Alemanha, Romênia, Áustria e Portugal, as perdas também foram relevantes, com destaque para a Romênia, que viu sua produção cair quase 20%. Esses dados demonstram não apenas a variabilidade climática, mas também a fragilidade das regiões tradicionalmente mais estáveis.
No Hemisfério Sul, o Brasil foi duramente impactado por chuvas excessivas na primavera e alta pressão de doenças como o míldio. O resultado foi uma queda de 41,0% na produção, chegando a apenas 2,1 mhl.
É a colheita mais baixa em muitos anos, e sinaliza a vulnerabilidade de regiões tropicais frente à instabilidade climática.

Perspectiva global: uma produção desigual
Apesar da tendência negativa generalizada, alguns países conseguiram crescer. A Itália, com a maior produção mundial de vinho, aumentou 15,1% em relação a 2023, alcançando 44,1 mhl. Embora esse crescimento sinalize resiliência, o volume ainda está 6% abaixo da média dos últimos cinco anos.
A Geórgia, com 2,4 mhl, teve sua maior safra desde o início do século. O caso georgiano é revelador: a combinação de terroirs diversos, tradições enológicas e condições meteorológicas favoráveis demonstram que é possível prosperar mesmo em um cenário de crise global.
No total, o Hemisfério Sul produziu apenas 45,8 mhl, seu menor volume em 20 anos. E isso, apesar de ter hoje um parque vitícola 15% maior do que no início do século. A conclusão é clara: o aumento de área não tem se traduzido em produtividade, e o clima é o principal obstáculo.

Impactos no mercado e nas garrafas
A oferta global mais restrita tende a manter os preços em patamares elevados. O que já se observou em 2023 se consolidou em 2024: menos volume, maior valor agregado por litro.
Essa dinâmica afeta toda a cadeia: vinhos de entrada tornam-se menos acessíveis em alguns mercados, enquanto rótulos premium passam a ser ainda mais valorizados. Importadores precisam lidar com incertezas logísticas e estoques reduzidos.
Para os produtores, os desafios são técnicos e estratégicos: uso de castas mais resistentes, manejo adaptado à seca, sistemas de sombreamento, e investimentos em previsão climática. Além disso, cresce a pressão por produção mais sustentável e resiliente.
E o que vem pela frente?
Se 2023 já havia sido um alerta, 2024 confirma que entramos numa nova era. A vitivinicultura global precisa enfrentar:
- Adaptação climática urgente (mudas, tecnologias, monitoramento).
- Redução de emissões e resiliência hídrica (uso eficiente de água, solos vivos).
- Diversificação territorial (novas regiões, altitudes, latitudes).
- Integração entre ciência, tradição e mercado.
O vinho está mais do que nunca no centro de uma transformação cultural e ambiental. Em tempos incertos, ele se torna tanto símbolo de resistência quanto termômetro das nossas escolhas.
Próximo artigo da série: O Declínio Silencioso das Vinhas no Mundo
A área global de vinhedos está encolhendo ano após ano, afetando silenciosamente o futuro do vinho.
No próximo artigo da série, vamos explorar os países que mais perderam área cultivada, os poucos que cresceram e o que isso revela sobre os novos desafios da viticultura mundial.
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