Atualizado em: 5 de July de 2023
“O vinho é uma questão de filosofia e não de enologia” – Josko Graviner
O grande encontro com Graviner
Sou suspeitíssima para falar sobre os vinhos de Josko Gravner! Tivemos a imensa oportunidade de participar de uma degustação exclusiva que ele fez em 12 de janeiro de 2015, na Associação Brasileira de Sommeliers de São Paulo.
Na verdade foi um aulão sobre o método de produção de “Vinho Laranja”, ou como ele mesmo diz, vinhos de maceração. Em Portugal é conhecido como vinho de curtimenta. Degustamos quatro rótulos, três brancos e um tinto:
- Ribolla 2005 e 2006 – vinho branco que, após a prensa, volta para a ânfora por no mínimo cinco meses antes de ser colocado em barrica de madeira que terá uma estadia de cinco anos.
- Bianco Breg 2006 – vinho branco com as castas Chardonnay, Sauvignon Blanc, Pinot Grigio e Riesling Itálico, que são fermentadas separadamente e envelhecidas juntas. Também passam cinco anos estagiando em barricas em madeira.
- Rujno 1999 – vinho tinto de Merlot, fermentado em barrica de madeira aberta por cinco semanas, envelhecido em barrica de madeira fechada por quatro anos e em garrafa por, no mínimo, seis anos (é demais!!!).
A filosofia de Josko Gravner
No passado, os agricultores prestavam muita atenção na influência dos planetas e nas fases da lua. Antes de começar o trabalho no campo ou na adega, eles sempre observavam os planetas e a lua para descobrir o melhor momento de começar o trabalho.
E é assim que Gravner produz seus vinhos: ele se baseia no calendário lunar interpretado por Maria Thun, o qual mostra as fases da lua e o posicionamentos dos planetas, apontando os dias mais favoráveis para trabalhar no campo como poda, semeadura e colheita.
Lua Nova: nesta fase a natureza está em plena floração. Momento bom para semear. A fase da lua nova promove o crescimento equilibrado de raízes e folhas, mas não é recomendada para trabalhar na adega.
Lua Crescente: dependendo da posição dos planetas, esta fase é ideal para plantar e colher ervas aromáticas, e também é o momento certo para o trabalho na vinha e na adega.
Lua Cheia: esta é a fase muito boa para plantar tubérculos e bulbos, para enxertos, para podar e cultivar a terra. Na adega, é momento para decantar e engarrafar o vinho.
Lua Minguante: aqui a natureza está repousando e é a fase ideal para colheita de frutos, poda e todo tipo de trabalho na adega.
O respeito à natureza
O modo de vida de Josko Gravner abraça todos os aspectos da natureza e, mesmo em condições desfavoráveis, aproveita o melhor que ela tem a oferecer através dos seus ciclos, de suas transformações, dos seus frutos e de seus habitantes.
Ele acredita que exista um único jeito de viver, caracterizado pela busca de uma verdade que só a natureza possui: ser guiado por ela, cuidar dela e, no tempo certo, estar ao seu serviço.
O mais importante para a concepção humana é saber resistir às intervenções, mudanças e construções, pois a natureza requer tempo, silêncio e inatividade. O seu ciclo se completa ano após ano calmamente e com a vinha não é diferente.
A água é a origem da vida
Dentro das possibilidades naturais, lagoas foram escavadas nos seus maiores vinhedos com o intuito de restabelecer o equilíbrio natural que havia sido destruído pela agricultura intensiva e as monoculturas.
Para ele, a água traz para as plantas da vinha insetos e animais que foram privados de seus ambientes naturais e que são fundamentais para um ecossistema saudável.
Árvores foram plantadas nos terraços onde crescem os vinhedos, como por exemplo: macieira selvagem, cinzas de maná, ciprestes e sorveiras.
Essas árvores formam o ambiente natural para muitos animais e oferecem de apoio aos ninhos para facilitar a vida de diferentes espécies de pássaros em seus vinhedos.
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Onde tudo começou…
Hum é uma pequena cidade na Croácia, fronteira com a Eslovênia, terra dos ancestrais de Josko Gravner.
A casa tem mais de 300 anos (sobreviveu às guerras mundiais e foi danificada por um terremoto em 1976. Em 1991, foi renovada para ter mais funcionalidade na produção dos vinhos).
Oslavia é uma pequena aldeia na região de Friuli, próxima de Gorizia, na Itália, situada nas colinas de Collio e perto da fronteira com a Eslovênia (na metade do caminho entre o Mar Adrático e os Alpes Julianos).
A propriedade adquirida pelos pais do enólogo, em 1901, tinha dois hectares de terra. Em 1980, depois do terremoto na região de Friuli, foi renovada.
A área de Oslavia possui 32 hectares, sendo 18 de vinhas. O restante compreende em lagoas, prados e bosques.
As ânforas
Em 1987, Josko Gravner viajou para a Califórnia e em dez dias provou cerca de mil vinhos.
Voltou para casa completamente desiludido e falou para sua esposa que estava cansado dos vinhos convencionais e que alguma coisa não funcionava bem, pois sentia que tudo ia em direção oposta ao solo e a autenticidade dos produtos.
Descobrindo Cáucaso
Ao se aprofundar nos estudos sobre vitivinicultura, encontrou informações interessantes sobre Cáucaso, na Geórgia.
Esta região se tornou o seu maior objetivo para a jornada que se iniciava, pois lá a produção de vinho era feita em ânforas há mais de 5000 anos. Entretanto o enólogo encontrou um problema: como chegar em Cáucaso?
A secreta produção de vinho em ânforas
A Geórgia ainda fazia parte da União Soviética e era praticamente impossível viajar até lá porque tudo era secreto e ninguém poderia saber como eles trabalhavam.
Quando a Geórgia se separou da União Soviética, houve uma luz no fim do túnel para Gravner, porém teve que esperar passar a Guerra Civil e só conseguiu viajar em maio de 2000.
Em Geórgia, foi direto para uma das melhores regiões produtoras de vinho branco e tinto, em Kaketi (sul de Cáucaso e sul da Chechênia). Para experimentar o vinho de uma uva autóctone conhecida como erkatazetelli, conheceu todo o processo da produção feitas em ânforas.
O vinho foi uma grande surpresa para ele e ficou impressionado com o resultado obtido através da maceração prolongada. Para quem não sabe, maceração é o contato das partes sólidas da uva (películas) com o líquido (mosto ou vinho).
A adega
Quando se fala em vinho em Cáucaso, automaticamente já pensam em vinho branco. Na Europa é ao contrário, a referência é vinho tinto.
O motivo pelo qual o vinho branco é considerado um grande vinho é pelo fato das uvas brancas serem maceradas por 8 ou 9 meses e as tintas no máximo um mês.
A emoção das primeiras ânforas
Depois de maio de 2000, Gravner teve sua primeira experiência com 230 litros de vinho na ânfora, levada da Geórgia por um amigo, e viveu a primeira emoção da fermentação do vinho na ânfora enterrada na sua adega em Hum, na Croácia.
Deu tão certo que, em novembro de 2000, mais ânforas foram instaladas na adega de Oslavia, Itália, e em 2001 obtiveram o primeiro vinho com um resultado incrível.
Gravner diz que “a grande vantagem do uso da ânfora, é que ela permite respeitar a natureza da uva sem intervenção durante a fermentação, não precisa de controle de temperatura, nem de aditivos ou clarificação, exceto um pouco de sulfuroso“.
Esse método de adicionar sulfuroso já era praticado pelos antigos romanos há mais de 2000 anos e ainda continua nos dias atuais, então significa que é um bom método e deve ser usado.
O processo de produção dos vinhos
As uvas são desengaçadas, prensadas e colocadas na ânfora. A fermentação começa sem adição de levedura, pois para ele, a levedura degrada o trabalho da videira para a qualidade do vinho, ou seja, a adição de levedura nada mais é que uma inseminação artificial.
Depois de uma longa maceração, em torno de sete meses, dependendo da variedade da uva, da sua consistência e qualidade, o vinho passa da ânfora para as barricas em madeira.
A fase de afinamento do vinho ocorre desde a vindima até o engarrafamento, em um total de 41 meses, sendo seis a sete meses em ânfora e o restante do tempo em barricas de madeira, sem nenhuma intervenção de clarificação ou filtração.
Não que seu vinho tinto não seja excelente (e de fato é!), mas o vinho branco tem mais prestígio nesse método. Ao todo são oito castas plantadas:
- Brancas – Pinot Grigio, Ribolla, Chardonnay, Sauvignon Blanc e Riesling Itálico;
- Tintas – Merlot, Pignolo e Cabernet Sauvignon.
Gravner faz uma relação entre esse modo de produção vínica e a procura da água limpa, ou seja, se quiser encontrar água limpa não procure próximo ao mar e sim nas nascentes dos rios que se localizam nas montanhas.
Ele quer que seu vinho seja visto e degustado através da técnica que foi inventada e produzida há mais de 5000 anos.
A seguir dois vídeos que mostram tudo com mais detalhes, narrados pelo próprio Gravner.
Agora que você já sabe tudo sobre o “Papa” dos vinhos de maceração, dá uma olhada nesse artigo sobre vinhos produzidos em Ovos de Concreto!
Roberta Ortolan
Co-fundadora
Mestra e Doutoranda em Ciências da Cultura,
graduada em Artes, Sommelière ABS-SP/ASI.
Fonte e imagens: Gravner Wines, @gravner