A queda do consumo mundial de vinho revela mudanças culturais, demográficas e econômicas
O vinho está deixando de ser parte do cotidiano de muitas pessoas ao redor do mundo. A edição 2025 do relatório da OIV revelou que o consumo global de vinho em 2024 foi de apenas 214,2 milhões de hectolitros (mhl), uma queda de 3,3% em relação a 2023.
Esse é o menor volume registrado desde 1961. Mais do que uma tendência conjuntural, trata-se de uma transformação estrutural no comportamento do consumidor.
Desde 2018, o consumo mundial de vinho apresenta uma curva descendente. A China, que havia se tornado um dos motores do mercado no início da década passada, reduz seu consumo em cerca de 2 mhl por ano. Em 2024, a queda foi de 19,3%, com o país totalizando apenas 5,5 mhl.
Os Estados Unidos, maior mercado mundial, também reduziram seu consumo em 5,8%, chegando a 33,3 mhl.
Na Europa, os três maiores mercados sofreram redução:
- França: 23,0 mhl (−3,6%)
- Itália: 22,3 mhl (estável, −3,6% abaixo da média quinquenal)
- Alemanha: 17,8 mhl (−3,0%)
Exceções positivas foram observadas em Portugal (+0,5%) e Espanha (+1,2%). No entanto, o crescimento nesses países não compensa a queda estrutural nos demais mercados tradicionais.
Adaptado de State of the World Vine and Wine Sector in 2024 – OIV 2025.
O que está por trás dessa queda?
A queda do consumo mundial de vinho em 2024 não é um fenômeno isolado nem repentino. Trata-se da convergência de pressões econômicas, transformações sociais e mudanças de comportamento que se intensificaram na última década. Contudo, foram agravadas por eventos recentes, como a pandemia, a crise energética e a inflação global.
A análise da OIV aponta para uma conjunção de fatores:
- Inflação e perda de poder de compra, agravadas desde a crise energética de 2022;
- Aumento dos custos de produção e distribuição, impactando os preços finais;
- Mudanças geracionais e de estilo de vida, com maior preocupação com saúde e moderação no consumo de álcool;
- Concorrência de outras bebidas e da cultura do “beber menos, beber melhor”.
O consumo fora do lar (restauração e eventos) ainda não recuperou os níveis pré-pandemia em muitos mercados. Também se observa uma mudança no discurso publicitário: campanhas mais voltadas à saúde, ao estilo de vida equilibrado e ao vinho como experiência cultural, não como consumo rotineiro.
Em termos demográficos, a nova geração de consumidores se relaciona com o vinho de maneira diferente: mais curiosa, mas menos fiel e mais atenta ao contexto social e ambiental da produção.
Essa convergência de fatores explica não apenas uma retração pontual, mas uma mudança estrutural e prolongada no padrão global de consumo.
O gráfico a seguir ilustra a trajetória histórica do consumo mundial de vinho entre 2000 e 2024, evidenciando como a tendência de queda tem se acentuado nos últimos anos.
Adaptado de State of the World Vine and Wine Sector in 2024 – OIV 2025.
Panorama Regional: Como o consumo de vinho se comporta ao redor do mundo?
Embora o consumo esteja em queda global, os ritmos e razões variam de região para região.
O recuo no consumo de vinho não se distribui de forma homogênea pelo planeta. Enquanto a União Europeia, historicamente responsável por quase metade do volume global, mantém o consumo elevado (103,6 mhl). Países como China e Canadá apresentam quedas acentuadas, moldadas por fatores internos como mudanças culturais, tributação e demografia.
Nos Estados Unidos, o maior mercado isolado (33,3 mhl), a tendência de queda se acelera, refletindo não só questões econômicas, mas também mudanças de hábitos e a popularidade crescente de bebidas alternativas.
Na América do Sul, Argentina e Brasil mantêm níveis estáveis, mas abaixo das médias históricas. Já a Oceania, com destaque para Austrália, sofre retrações após anos de crescimento. O consumo na África se concentra na África do Sul (4,3 mhl), com pouca variação.
Estará o vinho perdendo relevância?
Mais do que isso, o vinho está mudando de lugar no imaginário social. Continua sendo uma bebida com forte valor cultural, frequentemente associada à celebração, à identidade regional e ao prazer gastronômico. No entanto, enfrenta hoje um cenário de disputa simbólica e prática, pressionado por novos comportamentos de consumo.
Há uma crescente valorização da sobriedade e da moderação, impulsionada tanto por questões de saúde quanto por mudanças de estilo de vida. As gerações mais jovens tendem a buscar experiências autênticas, conscientes e alinhadas com valores sustentáveis. O que pode colocar o vinho em posição delicada caso ele permaneça atrelado apenas à tradição ou ao luxo.
Além disso, o preço médio do vinho aumentou, o que pode afastar consumidores mais sensíveis a custo-benefício. E a presença cada vez maior de opções como cervejas artesanais, kombuchas, bebidas sem álcool e coquetéis de baixa graduação alcoólica amplia o leque de concorrência.
Esse movimento, no entanto, não é irreversível. Pelo contrário, representa uma oportunidade de redefinir o papel do vinho nas sociedades contemporâneas. Valorizando a qualidade, o terroir, a sustentabilidade e o consumo consciente, em sintonia com as expectativas de um novo público consumidor.
Próximo artigo da série: O Valor do Vinho no Mercado Internacional
Como os preços se mantiveram altos mesmo com a queda de volume? No próximo artigo, analisamos os números do comércio internacional de vinhos em 2024.
Perdeu os artigos anteriores da série? Descubra os principais destaques do Relatório OIV 2025 nos artigos já publicados:
- Artigo 1 – A Menor Safra em 60 Anos: como a produção global atingiu o menor volume desde 1961.
- Artigo 2 – O Declínio Silencioso das Vinhas no Mundo: o que revela a redução da área global de vinhedos e suas implicações para o setor.